Por Daniel Castello*
Pouco a pouco o cenário vai clareando. Não estou dizendo que será um
grande ano para a economia como um todo, mas será muito melhor que os dois anos
passados.
Por incrível que pareça, passou o
pior a tempestade. O mar ainda está agitado, ainda pode ser que chova um pouco,
o perigo não passou por completo, mas o cenário está estável e, se chegamos até
aqui, não tem nenhum motivo para não avançarmos com mais força a partir deste
momento.
E agora?
Durante a tempestade, por
incrível que pareça, gerir é simples (simples, não fácil!). Ninguém quer perder
seu emprego, logo as demandas por aumentos de salário ou melhores condições de
trabalho reduzem. Ninguém quer perder seus clientes, logo as negociações com
fornecedores ficam mais suaves. A prioridade é inequivocamente sobreviver, logo
toda e qualquer conversa de desenvolvimento e motivação cai de prioridade. A
crise,
de uma certa forma, faz brilhar executivos com competências mais hard –
com mais foco no curto prazo, na tarefa, no caixa.
Nestes momentos, queremos
executivos com capacidade de tomar decisões impopulares de forma rápida e
ousada, sem hesitação. E, veja bem, executivos como esses são essenciais para
qualquer empresa, mas, quando a crise começa a passar, eles têm que sair do
holofote central e seu poder precisa ser balanceado com outros conjuntos de
competências.
NO FIM DA TEMPESTADE, NÃO É HORA DE RELAXAR. É HORA DE
EXERCITAR OUTRAS HABILIDADES.
A grande velejadora Jeanne
Socrates, lenda da navegação solo, fala claramente que na hora que passa uma
grande tempestade é hora de:
(1) checar sua posição e refazer
seus planos de navegação,
(2) fazer contato com a base,
comunicar sua posição, direção e estado físico e mental,
(3) checar se todos os sistemas a
bordo estão funcionando, fazer os reparos necessários,
(4) limpar e arrumar o barco,
tomar banho, colocar roupas limpas, restabelecer a rotina de descanso e
alimentação e
(5) reunir a tripulação e checar
como eles estão e perguntar o que funcionou durante a tempestade, o que não
funcionou e o que faremos diferente da próxima vez – que estratégias, táticas,
equipamentos e sistemas funcionaram e quais não funcionaram.
A IDEIA É QUE CADA TEMPESTADE NOS TORNE MAIS FORTES E
CAPAZES DE ENFRENTAR A PRÓXIMA.
A metáfora é tão óbvia que dá um
pouco de vergonha de analisar, mas é importante ser didático aqui. Primeiro
porque envolve sobrevivência e, em segundo, porque este momento depois da
tempestade é essencial para a competitividade de uma organização. Não vence a
corrida quem sobrevive à tempestade. Vence a corrida quem se reorganiza
primeiro para encarar o futuro.
E este é um momento importante.
Por vários motivos…
1. É hora de reconhecer quem fez. E alimentar o orgulho de pertencer.
Dá um prazer enorme ter sido
capaz de sobreviver a uma tempestade. Se você se percebe como protagonista, se
você consegue perceber o quanto você foi importante para a organização passar
pelo momento difícil, isto gera uma sensação de autoestima elevada, de
pertencimento, de mérito. O senso de engajamento com a organização aumenta
muito!
É um momento importante de
reafirmar os vínculos com sua equipe. De reconhecer seus méritos. É hora de
distribuir medalhas para os heróis. E também é hora de separar o joio do trigo.
Aqueles que não cresceram, que se encolheram, que fizeram peso em vez de lutar
bravamente, devem ser trocados. Este é, provavelmente, o melhor momento para
fazer boas trocas. Todos vão entender, quem ficar vai se sentir valorizado, e o
senso de equipe tende a sair fortalecido. Ninguém gosta de covardes…
2. É hora da reconstrução (e de mudar, de inovar)
Algumas mudanças são difíceis
porque o custo de mudar é muito alto quando estamos em situação de conforto.
Logo depois de uma tempestade, com a lembrança fresca de quanto um sistema
adequado, um processo bem azeitado, um equipamento ou um treinamento nos
fizeram falta numa hora crítica, é uma ótima hora para comprar brigas
históricas e transformar aquilo que sempre tivemos preguiça ou medo de mudar. É
hora de botar o mastro abaixo e refazer o sistema de velas. É hora de
desaparafusar todos os equipamentos da cabine e reavaliar sua posição. É hora
de rever os sistemas de navegação e repensar a forma como reagimos aos alertas.
É hora de inovar, de experimentar o novo.
UMA BOA TEMPESTADE TORNA UM BARCO MAIS COMPETITIVO E
UMA TRIPULAÇÃO MAIS ESPERTA, SE (APENAS SE) CONVERTERMOS EXPERIÊNCIA EM
APRENDIZADO.
3. É hora de definir novas metas
Passada a tempestade, precisamos
de um rumo novo. Sobreviver é legal, mas só faz sentido de verdade se tiver um
porquê. Esta é a hora de traçar objetivos novos. Hora de aproveitar a força e a
coragem recém-descobertas para estabelecer metas ousadas, que talvez antes
soassem como irreais, mas que agora são perfeitamente factíveis.
É claro que isto só vai acontecer
se as pessoas comprarem o porquê. Ninguém vai sair para o mar de novo e se
arriscar por nada. Não é esporte, é negócio. É hora de ser sério, estabelecer
uma nova visão, conectar com as pessoas e deixar claro quais são os benefícios
para elas da nova fase.
4. É hora de criar novos rituais
Grandes equipes têm seu próprio
conjunto de rituais.
Os All Blacks, o mítico time de
Rugby neozelandês, apavora seus adversários com uma haka tribal. A tropa de
elite Seal americana insere os pins de formatura dos novos recrutas na pele por
baixo da camisa, em um ritual que acontece dentro do quartel, longe dos olhos
de estranhos. Quando um Yakusa comete um erro grave, ele corta um de seus dedos
em um ritual chamado Yubitsume. Isto serve como pedido de desculpas e como
demonstração de fidelidade e compromisso com seu clã. Um adolescente Masai,
antes de ser circuncidado e entrar para o mundo dos adultos, tem que ser capaz
de manter um rebanho reunido por 7 dias e 7 noites, sozinho.
GRANDES EMPRESAS TAMBÉM TÊM SEU PRÓPRIO CONJUNTO DE
RITUAIS.
Sinos que sinalizam vendas
realizadas. Reuniões em pé com a empresa inteira para debater aquilo que é
crítico para todos. Festas de celebração por resultados atingidos. Encontros em
locais inspiradores para definir planos e metas. Lançamentos bombásticos de
campanhas de vendas. Convenções de franqueados com palestrantes célebres. Dias
reservados para aprendizado ou desenvolvimento de inovações. Viagens de integração
até a sede para receber as bênçãos do fundador. Além de bandeiras, hinos,
logos, marcas…
RITUAIS, ASSIM COMO SÍMBOLOS E SIGNOS, SÃO ÚTEIS PARA
NOS RECONECTAR COM A CULTURA E UNS COM OS OUTROS. ELES NOS FAZEM LEMBRAR.
LEMBRAR QUE EXISTE ALGO ALÉM DE OITO HORAS DE ESFORÇO POR DIA E UM SALÁRIO NO
FIM DO MÊS.
Momentos marcantes, como o fato
de que sobrevivemos uma tempestade juntos, merecem um ritual, um símbolo, um
signo, do que vivemos juntos. Pode ser muito útil no futuro, quando o senso de
propósito fraquejar e nos pegarmos entediados e medíocres de novo…
Em resumo, boas tempestades fazem
bons marinheiros. Boas batalhas fazem bons guerreiros. Experiências de
superação em equipe fazem excelentes equipes. Quando isto acontece, é papel da
liderança converter esta experiência em aprendizado, e canalizar esta nova
energia em desempenho no futuro, fora da tempestade.
AFINAL, SOFRER SÓ É ÚTIL QUANDO APRENDEMOS ALGO COM
ISTO. SE NÃO, É SOFRER À TOA.
Superando a tempestade
Para ilustrar todos os pontos que
comentamos acima, quero compartilhar a experiência que tive como mentor de uma
empresa que viveu uma situação semelhante.
A crise econômica brasileira
tinha batido forte. Depois de anos crescendo 50% ao ano, seus consumidores
tinham perdido seus empregos e deixado de pagar suas dívidas. O fantasma da
inadimplência batia na porta.
Mas não era a primeira tempestade
que eles atravessavam. Os alarmes soaram e a atenção da empresa foi
imediatamente direcionada para a área de recuperação de crédito. A presidente
trouxe a área para perto de si e começou a ter relatórios diários de seu
desempenho. Outras medidas de austeridade foram tomadas, como redução de
equipes e demissões em todos os níveis.
Foram medidas acertadas, duras, e
a empresa atravessou a tempestade com sucesso, recuperando uma quantidade
importante de créditos concedidos por ter se movido mais rápido e mais
intensamente que os outros. Mas, um preço foi pago.
Quando nos reunimos pela primeira
vez, os empreendedores estavam preocupados com o engajamento dos funcionários e
com a capacidade da liderança de fazer uma nova mudança acontecer. Eles
descreviam uma empresa desgastada, com a energia baixa. Fui para lá escutar as
pessoas in loco e entender por onde faríamos a curva.
O diagnóstico foi simples: a
empresa estava em “modo navegação na tempestade”. O poder tinha se concentrado
quase 100% nas mãos do timoneiro (guia) e as ações estavam quase 100% focadas
no aqui e agora. Os líderes se sentiam sem direção, e as pessoas estavam
executando cegas o que lhes era comandado. O cansaço em todos os níveis era
visível. Se de um lado, isto tirou a empresa da crise, do outro isto impedia
que ela agora se ajustasse adequadamente aos ventos mais brandos e às novas
oportunidades que surgiam. Estava na hora de baixar a ansiedade, respirar e
pensar no novo caminho.
A primeira grande ação foi um
novo Planejamento Estratégico, seguido de um investimento em um novo modelo de
gestão, ancorado em KPIs em todos os níveis. Todos os líderes foram treinados
para lidar bem com o novo modelo.
A segunda grande ação foi
repensar a forma de voltar ao mercado. Voltar a crescer sem aumentar o risco
virou prioridade na pauta, e novas competências de desenvolvimento a partir das
necessidades do consumidor começaram a ser praticadas. E o terceiro movimento
foi fortalecer a liderança, via ações de desenvolvimento pessoal, para que eles
entendessem seu papel neste novo momento, individual e coletivamente. Ao mesmo
tempo que o combate à inadimplência foi mantido.
Foi um grande movimento,
conduzido com a mesma firmeza e velocidade que a empresa lidou com a crise. A
empresa sai mais forte da tempestade e aponta resoluta para uma nova direção.
Bonito de ver.
Aposto no seu futuro!
(*) Consultor e Palestrante nas
áreas de Estratégia e Gestão de Pessoas.
Fonte: Portal Endeavor Brasil.

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